Não é de hoje que os comparativos entre carro antigo e carro novo povoam matérias em todos os âmbitos da mídia especializada, em suas mais variadas formas. Quando se junta a isso nomes consagrados para produtos totalmente novos, está pronta a briga. Ou não...
A relação entre o antigo e o novo é tão forte que a indústria logo percebeu e transformou isso em marketing, lançando constantemente produtos novos batizados com nomes de seus sucessos do passado.
Em especial no mercado norte americano, empresas como Chrysler, GM e Ford estão apostando cada vez mais alto nesse nicho com modelos como os Dodge Charger, Challenger e Dart, este último numa imperdoável injustiça ao nome; além do Chevy Camaro e o Ford Mustang. Já por aqui o mercado dita tendências um pouco diferentes. Produtos que, se nada tem a ver com os originais, trazem em sua identidade a força de nomes que relembram a muitos uma época de alegrias e romantismo, como é o caso do Fusca, que lembra o antigo porém pouquíssimos tem condições de comprar, e o Novo Uno, que preserva o nome mas num carro que absolutamente em nada lembra o original.
Provavelmente os carros que mais marcaram qualquer época são os esportivos e assim sendo resolvi fazer uma brincadeira sobre o que o mercado oferece hoje em termos de esportivos e o que oferecia há alguns poucos, ou muitos, anos atrás.
Apenas a título de curiosidade há números e dados básicos. Todos os comparativos tem por base a categoria do esportivo antigo, em preço, desempenho e tamanho, e o que temos hoje a disposição que supostamente teria ocupado a vaga deixada pelo antigo.
O resultado chega a ser engraçado em alguns casos. Confira:
Round 1 - A Fiat e o difícil começo com mini esportivos:
Todo começo é difícil. Desde 1976 no Brasil, a Fiat ousou com seu primeiro esportivo em 77: o 147 Rallye. Mais tarde, outras versões como o 147 Racing e Top, o Spazio TR e o Oggi CSS, todas baseadas do 147, não obtiveram o mesmo sucesso, mas nem por isso deixam de ser muito interessantes.
Mais recentemente a Fiat interrompeu a produção do Linea T-Jet, substituto do imbatível Marea Turbo, que já tinha iniciado a vida com a difícil batalha de manter ou bater a marca do irmão mais velho, o Tempra Turbo. Mas a Fiat ao menos manteve 2 T-Jet: o Punto e o Bravo.

A parte o fato de Marea e Tempra serem ícones que hoje já atingem status de clássico, o que mais marcou mesmo a Fiat no segmento foram as versões do Uno: 1.5 e 1.6 R e 1.6 R MPI e o raríssimo Uno Turbo.
Lançado em 1994 e com visual pra lá de exclusivo, o Uno Turbo se apresentava como uma opção verdadeiramente esportiva: tudo nele era diferente das demais versões, a começar pelo espalhafatoso kit aerodinâmico e suspensão 30 mm mais baixa.

Seu pequeno motor turbo 1.4 8V rendia cerca de 116 cv a 6.000 rpm e 17 kgfm de torque a 3.500 rpm e, pesando míseros 960 kgs, o franzino Uno Turbo facilmente acelerava de 0-100 km/h em apenas 8.2 s e atingia até 198 km/h.
Se no design a Fiat ousou, na gama de cores as opções, apesar de bem acertadas, se limitaram a apenas 3: vermelho, amarelo e preto.
A Fiat oferece em sua linha 2015 o Novo Uno Sporting, equipado com motor também 1.4 porém de aspiração natural. É o mais próximo que chega do extinto Uno Turbo. Os números são: 88 cv a 5.750 rpm e torque de 12.4 kgfm a 3.500 rpm. Toda essa usina num carrinho de meros 945 kgs.
Se a primeira vista fica difícil imaginar que se trata de um esportivo, os números do Uno Sporting... Confirmam a imagem inicial.
A altura do solo é excelente. Se você gosta de jipes 4x4 e tratores.
Já o desempenho agrada, se você não tiver pressa: o 0-100 km/h é feito em 12.8s e a velocidade final é de 172 km/h. Mas ele pode ser comprado em muitas cores diferentes...
Round 2 - A GM e seus clássicos instantâneos:
A GM talvez seja a montadora com maior número de esportivos produzidos por aqui. Ao menos em número de versões. Vamos tentar lembrar de todos: Opala SS4 e SS6, Caravan SS, Chevette GP e GP II, Chevette S/R, Monza S/R 1.8 e 2.0/S, Kadett GS/GSI e Sport, Vectra GSI, Corsa GSI e outros que se limitaram a ser somente versões esteticamente diferentes, mas ainda assim considerados esportivos como Vectra Challenge, Astra Sport, Sunny, GSI e SS, Meriva SS (!!!), Corsa SS...ufa!
Nesse caso, acho que a maioria, senão todos, irão concordar que o maior esportivo da história da GM Brasil é mesmo o Opala SS.
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Atente para o comentário no canto superior direito. Foto de teste da época. |
Com um motor derivado do famigerado 'Blue Flame Six' de 1953, que equipou a primeira geração do Corvette e quase afundou o projeto, o lendário motor de 6 cilindros em linha sofreu inúmeras melhorias até chegar a versão de 1971, quando foi lançado aqui com 4.100 cm³ (chamado 250-S pela conversão de medidas, ou seja: 4.100 cm³ = 250 pol.)
O poderoso 250-S, em 71 e até mais ou menos final de 79, rendia cerca de 174 cv a 3.800 rpm. Praticamente um monjolo, se comparado aos 6, 7 até 9 mil rpm dos motores atuais, porém ainda temido depois de mais de 40 anos por aqueles que tem um mínimo de conhecimento automotivo e um certo bom senso. O torque era de aproximadamente 34 kgfm a 2.600 rpm.
Traduzindo:
Se bobeasse e encostasse um pouco mais forte no acelerador os pneus girariam em falso. Pura diversão.
Quanto as marcas, a aceleração de 0-100 era feita em 10.7s e máxima de 198 km/h. Com apenas 4 marchas. Peso? 1.300 kgs.
O que tem pra hoje?
Qual o esportivo da GM hoje? Bem, não podemos considerar o Camaro SS pois não é um carro fabricado aqui e nunca foi um esportivo nacional, nem mesmo era concorrente de algum nacional no passado, no máximo fazia frente a outros importados como ele. Assim, seguindo a premissa informada no início deste artigo, converti os valores de quanto custaria um Opala SS6 hoje e, tendo em vista suas dimensões e peso, pela mais pura falta de opção da própria GM, o único ''concorrente'' que resta é ele: o Cruze Sport 6. Não se iluda, o 6 é apenas o número de marchas, não os cilindros.

Pesando 1.300 kgs como o Opala, o hatch de 4 portas da GM é um carro muito bem acabado, considerado de luxo, como o Opala na época. Vem com motor 1.8 16V capaz de gerar 140 cv a 6.300 rpm e torque de 17 kgfm a 3.800 rpm, o que se traduz num desempenho bem interessante: 0 a 100 em 12.6s e velocidade final de 189 km/h. Sim, bem inferior ao do Opala de 43 anos atrás... É a vida, amigos! Não adianta reclamar! São apenas fatos e dados e contra esses não há argumentos.
Entretanto, aqui cabe um dado muito interessante: o Opala é, reconhecidamente um beberrão, certo? Provavelmente em virtude de ser um carro pesado, com mecânica muito antiga. Já o Cruze é um carro que, apesar de ter o mesmo peso, tem muita tecnologia, motor moderno, injeção eletrônica de ponta. Portanto, segue os dados de consumo:
Opala SS 1972: Cruze Sport 6:
Cidade: 10.96 k,/l Cidade: 10.1 km/l
Estrada: 13.2 km/l Estrada: 11.3 km/l
Média de consumo: 12,8 km/l Média de consumo: 10,7 km/l
Round 3 - A VW e os lendários AP:
Até 1974 a VW só produzia no Brasil carros com o tradicional motor traseiro refrigerado a ar. Então lançaram o Passat, uma novidade que vinha com um novíssimo motor refrigerado a água, com tecnologia da Audi alemã. A partir daí a VW riu a toa por muito tempo. O motor de 1.500 cm³, batizado de MD 270, sofreu diversas modificações pela brilhante engenharia da VW daquela época e deu a luz o poderoso AP. Massificado como motor de competição durante décadas e até hoje recordista de muitas categorias do automobilismo de competição amador e profissional, o AP foi o motor que equipou o nosso escolhido como o principal esportivo da VW na década de 80: O Gol GTI.
Com 2.000 cm³, o AP-2000, a melhor versão do antigo MD 270, apresentava 121 cv a 5600 rpm e torque de 18.3 kfgm a 3200 rpm, capazes de levar os 1013 kgs do GTI a 188 km/h e acelerar de 0 a 100 km/h em aproximadamente 11s.
Aqui cabe uma curiosidade: a versão AP-1800S, que equipava o Passat Pointer e o Gol GTS era menor em cilindrada, porém a aceleração do GTS era mais rápida que a do GTI: 9.2s no 0-100
Já o Passat tinha maior velocidade final: que qualquer outro VW da época, 193 km/h. Coisas de engenharia, como acerto de relação de câmbio e peso do carro, já que o Passat era mais leve que o Gol, apesar de parecer o contrário.
Com o fim de produção dos Dodge e a GM deixando o Opala cada vez mais manso, essa marca rendeu ao Passat Pointer a liderança de carro mais veloz do Brasil em produção na época por muitos anos, posição que só viria a perder em 89, quando a VW anunciou o fim de produção.
O que tem pra hoje?
A VW já não tem mais tantos motivos pra sorrir como antigamente. Se faturaram tão alto naquela época, o fato é que hoje a VW passa noites em claro pensando em como reaver a liderança perdida para a Fiat há 9 anos atrás. O que então a tradicional fábrica de sonhos oferece em termos de esportivo?
Bem, a falta de opções é tamanha que facilmente qualquer idiota entende o motivo de a VW perder a liderança. Aquele que um dia foi o carro com maior número de versões (eram 10 em 1996), hoje se limita a 6 delas, sendo duas com motor 1.0... Nada de motor AP, GTI, GTS. Nada realmente esportivo. No máximo um Gol Rallye com suspensão de rali mesmo, a léguas de distância do solo.
Vamos as considerações:
O Gol Rallye vem equipado com motor EA 221 de 1.6cc, 110 cv a 5750 rpm, torque de 15 kgfm a 4000 rpm e pesa 1043 kgs.
Como resultado, 0 a 100 em 10s e máxima de 186 km/h.
Resta saber se você tem coragem de acelerar sentado a 20 cm do solo, contra 12 do antigo Gol GTI.
Round 4 - A Ford e o período de sonolência:
Se os anos 70 foram bons para a Ford no exterior, não se pode dizer o mesmo do período após a fusão com a VW, quando criaram a Autolatina.
Apesar da gama de produtos muito boa, em especial nos quesitos economia e acabamento, a Ford sempre foi a lanterninha em vendas no Brasil, ao menos até a dissolução da Autolatina.
Porém, ela tambem teve suas glórias. Uma delas, apesar do início grotesco, resultou num dos maiores esportivos já fabricados aqui: o Maverick GT V8.
Nenhum outro teve tanta representatividade como ele, apesar de a Ford ter em sua lista de esportivos nomes como Ka XR, Focus XR, Corcel GT e XP, Verona 2.0 iS, Escort Racer, RS e o Escort XR3, que tiveram sua parcela de fama; este último com sucesso inegável.
Vamos aos fatos: o Maverick era um projeto americano, lançado aqui as pressas para substituir o Aero Ford, antigo Aero Willys, e o Itamaraty. Como a Ford insistia em apresentar rapidamente o carro, montaram um motor ridículo de Jeep 6 cil para brigar com o Opala. O problema é que, enquanto o Opala impunha respeito, o Maverick amargava vergonha, com um motor fraco e beberrão. Foi então que alguém teve a brilhante idéia de enfiar um motor V8 5.0 do Mustang GT 302 americano no Maverick e transformá-lo num esportivo capaz de brigar de verdade não só com o Opala, mas com os Dodge Dart e Charger nacionais, que já rivalizavam com o Chevrolet.

Deu certo. Pesando 1400 kgs, o Maverick V8 vinha com um motor de 199 cv a 4600 rpm e saudáveis 39 kgfm de torque a 2600 rpm, capazes de levar o GT da imobilidade aos 100 km/h em 11.6 s e 182 km/h de velocidade final
Se eram e ainda são marcas expressivas, o fato é que aí iniciou-se uma das brigas mais quentes da história. Acontece que apesar de rapido, o Maverick teve desempenho bem abaixo do esperado, inclusive pelos mal intencionados fãs da Ford, que não viam a hora de encontrar um Opala pelo caminho para fazê-lo comer poeira. Mas o Maverick GT original não era páreo para os Opala, ao menos em números frios. Daí a eterna briga e intermináveis rachas pelas madrugadas. Opaleiros se achando o máximo dizendo que 6 é maior ou igual a 8, referindo-se ao número de cilindros de seus carros, e V8teiros donos de Dodge e do recém chegado Maverick se vangloriando do torque abusivo e da rapidez de seus belos V8.
O que tem pra hoje?
Não tem. Essa é a verdade.
A Ford atualmente não disponibiliza um modelo sequer para este segmento. Por mera curiosidade converti os valores de quanto custaria o Maverick GT V8 em reais e o resultado surpreendeu: com umas moedinhas a mais daria para comprar um Ford Focus Sedan 2.0 S.
Vale o comparativo? Vejamos:
Se o GT era um esportivo, o Focus é um sedan familiar, porém o desempenho não é nada ruim e até é bastante digno de um bom esportivo: 0 a 100 em 9.8s, máxima de 201 km/h. Muito bom para um carro com 1350 kgs. Parece até que a propaganda do Fiestinha despistando um Dodge V8 foi baseada nisso, apesar do absurdo exagero do marketing da Ford.
Enfim, na Ford o novo venceu.
Mas será que atingirá o nível de mito como o Maverick? Acho que já sabemos a resposta.
Se hoje temos tantas montadoras vendendo a perpetuação da mesmice no Brasil que nem conseguimos contar, antigamente não era assim. Em especial por aquelas que eram 100% brasileiras e utilizavam componentes de montadoras multinacionais, o cenário automobilístico por aqui era bastante divertido.
Mesmo assim, empresas como Chrysler, com os Dodge, e as criativas brasileiras que fabricavam carros fora de série tiveram seus tempos áureos e seu fim melancólico.
Entretanto, como seria se elas produzissem até hoje? Quem seriam seus concorrentes?
No próximo artigo, quem parou de fazer carros por aqui versus as novas montadoras que chegaram há pouco tempo. O que cada um tinha, ou tem.
Logo mais, no blog do Juninho.